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Comunicação, antes das letras, 2

Placas de xisto 1234Bibliografia

Só raramente os humanos que posteriormente habitaram a Península Ibérica voltaram a igualar esta performance em Arquivos de Identidade; infelizmente os nossos avós e os seus antepassados não depositaram, ao longo de muitos séculos, os seus mortos em túmulos colectivos, devidamente identificados...

Continuação da primeira parte:

“Infelizmente passaram mais de 120 anos sem avanços significativos na interpretação destas fascinantes peças”, relata Katina Lillios.

E se Estácio da Veiga, pioneiro da arqueologia científica em Portugal, há mais de um século já se referia a um total de cerca de 70 placas de xisto, “hoje temos, só no Museu Arqueológico de Belém, mais de 2.000 placas”.

Em 2003/4, as placas guardadas neste Museu começaram a receber sua primeira catalogação oficial – depois do trabalho realizado pela cientista e sem qualquer tipo de colaboração ou diálogo com ela.

Plaques from Granja de Céspedes (Badajoz).
Placas de xisto encontradas num túmulo (Praia das Maçãs).

Trabalhando com a base de dados

Já em 1985, Manuel Farinha dos Santos tinha comentado oportunamente sobre as placas: “É possível, no entanto, utilizar os numerosos dados que mais de um milhar de placas pode fornecer, não havendo para isso nada mais próprio e eficiente que a utilização de um computador electrónico. Para já, parece-me um bom princípio procurar saber a razão por que existe, em cada túmulo colectivo, determinada percentagem de cada um dos principais padrões decorativos.”

Como se tivesse ouvido Farinha Santos, Katina Lillios reuniu na sua base de dados umas primeiras 680 placas de xisto gravadas. Começou por agrupar as placas em “grupos ou famílias” que se de­finem pelos padrões (ou desenhos) típicos recorrentes nas placas: zigue­zague, xadrez, triângulos, heringbones (espinha de peixe), traços verticais, chevrons.

Em seguida, virou a sua atenção para um facto importantíssimo: Se bem que haja numerosas placas parecidas ou semelhantes (um facto continuamente salientado por colegas menos atentos), nenhuma placa é exactamente idêntica a uma outra – facto nunca comentado por qualquer arqueólogo ibérico até à data.

Katina Lillios: “São sempre peças únicas, nunca repetidas”.

Os desenhos sobre as placas foram sempre consciente e deliberadamente variados. Significa que os desenhos não são fruto de uma criação puramente estética ou de um propósito puramente ornamental.

A variabilidade que apresentam não se pode traduzir por um espírito de improvisação artística. As placas são obviamente funcionais, identificam.

  • Identificam o lugar, a região onde o defunto foi enterrado seguindo os rituais funerários da época.
  • Identificam o clã, a estirpe. Os diferentes padrões identificam os clãs relacionados com os campos e territórios “marcados” pelos seus túmulos funerários.
  • Mas identificam também a linhagem, as gerações.

No seu conjunto, as placas são todas tokens de uma grande unidade cultural, não só se diferenciando pelos diferentes padrões; olhando para todas as placas de um padrão, essas placas diferem sempre no número de faixas.

Este pormenor essencial foi explicar a Katina Lillios que o número de faixas equivale à geração do defunto em relação a uma “primeira pessoa da estirpe”.

Placa documentada por PE
Placas de xisto documentada por Ph. Estácio da Veiga.

O número de faixas, sempre cuidadosamente gravadas – por vezes mesmo em detrimento da estética das placas – “diz” que um sepultado pertence à geração n do seu clã. Define, portanto, a linhagem. O número n, vai, em vários casos, até 16, 17 ou mesmo 18.

Considerando que nesse tempo uma geração tivesse a duração de 20 ou 30 anos, estamos a observar “bilhetes de identidade” emitidos ao longo de um período de 400 a 500 anos, aproximadamente.

Conjugando elementos para datações, derivados de análises arqueológicas, geológicas, antropomórficas ou etno-sociológicas, conhecemos agora as placas de identificação de indivíduos (ou de grupos de indivíduos) que morreram entre datas dentro da faixa de 3.000 até 2.500 a.n.E. – são portanto os registos europeus mais antigos conhecidos até à data.

Corgas de Matança, Fornos de Algodres, Portugal
Sepúlturas «típicas» do Neolítico são os dólmens (também chamados «antas»). Na imagem: Túmulo megalítico em Corgas de Matança, Fornos de Algodres, Portugal

Se muitas placas aparecem em contextos funerários claramente ainda neolíticos, portanto da Idade da Pedra tardia, outras placas estão incluídas já em tumulações claramente campaniformes, como por exemplo, o nível superior do Monumento da Pedra Branca, Montum (Melides). www.cm-grandola.pt

Só raramente os seres humanos que posteriormente habitaram a Península Ibérica voltaram a igualar esta performance em Arquivos de Identidade; infelizmente os nossos avós e os seus antepassados não depositaram, ao longo de muitos séculos, os seus mortos em túmulos colectivos, devidamente identificados.

Este privilégio ficou reservado aos nobres e aristocratas. E já em tempos pré-históricos, tudo indica que só algumas poucas pessoas de uma comunidade “mereciam” identificação.

  • Mais um elemento a confirmar a acelerada emergência de élites durante o Neolítico final e os princípios da Idade do Cobre (= Calcolítico) peninsular.

Expansão demográfica dos clãs

Do número n, Katina Lillios deriva também a expansão demográfica dos diversos clãs pela geografia do Sul ibérico; as suas penetrações mútuas, igualmente.

Nos maiores túmulos – por exemplo no enorme monumento megalítico Anta Grande do Zambujeiro perto de Évora – encontraram-se mais de centena e meia de placas de xisto, e simultaneamente constatamos uma forte mistura de padrões, portanto de clãs.

Uma mistura muito mais intensa (e portanto, definindo mais interrelações) do que nos túmulos contendo placas com menos faixas, portanto depósitos de gerações mais antigas.

Direitos hereditários

Ao longo da catalogação sistemática, para Katina Lillios tornou-se mais evidente a forte “carga” das placas de pedra.

Estes artefactos marcavam a identidade de indivíduos excepcionais de um clã – chefes? xamanes? mágicos? –, e legitimavam a ocupação ou a posse (colectiva, familiar?) de territórios.

  • A hipótese mais plausível: as placas, registando linhagens, tinham a função de assegurar direitos hereditários e/ou de definir regras aplicáveis aos casamentos intra-tribais (ou intertribais) para indivíduos de elite.

Continuação: Parte 3

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