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Comunicação, antes das letras, 1

Placas de xisto: 1 — 234Bibliografia

Há 5.000 anos, muito antes de usarem alfabetos, os habitantes pré-históricos da Península Ibérica identificavam os membros das suas élites gravando desenhos em placas de xisto – uma solução original. E uma boa introdução aos sitemas mais complexos que vieram depois.

A análise sistemática destes códigos gráficos, realizada a mais de 1.100 pedras de xisto recolhidas em túmulos megalíticos do Sul ibérico, está publicada online.

Plaques from Granja de Céspedes (Badajoz).
Placas de xisto encontradas em Granja de Céspedes (Badajoz).

A cientista Katina Lillios decifrou e publicou parte importante do património préhistórico que jaz nas gavetas dos museus arqueológicos de Portugal e Espanha – e fez a sensacional descoberta dos primeiros registos de identidades pessoais praticado na Europa.

Estes registos foram feitos gravando padrões gráficos em pedras — padrões para fixar as linhagens dos clãs peninsulares. Ao analizar centenas de placas de xisto gravadas, Katina Lillios descobriu este original sistema de comunicação social com suporte em registos gráficos – sistema este obviamente praticado muito antes da introdução de alfabetos escritos na Peninsula Ibérica.

Há cerca de 5000 anos, as populações ibéricas conheciam já “registos de memória colectiva” – um fenómeno único na Europa megalítica.

Como funcionavam estes registos?

Que informação contêm? Como decifrá-la?

Se hoje é comum cada cidadão ser identificado pelo seu Bilhete de Identidade, já os nossos longíquos antepassados da Idade do Cobre tinham decidido fazê-lo de uma forma vagamente comparável – pelo menos, quando eram enterrados.

As placas de xisto depositadas com os mortos, mostram a qual clã pertenciam os defuntos e registam a sua linhagem, a sua linha de descendência — a sua geração.

Precisemos que as placas de xisto tem sido encontradas juntas aos mortos sepultados em túmulos megalíticos ibéricos, nas chamadas antas, dolmenes ou mamoas, mas também em tholoi, monumentos funerários algo mais recentes. O avanço científico permitido por esta fascinante descoberta é semelhante a aquele que obtemos, quando, para analisar um objecto, podemos trocar um vidro fosco por uma boa lente de aumento.

Onde até agora o arqueólogo só via a mancha difusa de uma sociedade mal distinguida, começamos agora a detectar, senão indivíduos, pelos menos pequenos grupos de indivíduos devidamente identificados. Onde antes só se detectava uma pilha disforme de muitos defuntos, vêm-se agora esboços de identidades. E começamos a compreender melhor a dinâmica dessas comunidades.

Como foi possível chegar a esta “alta resolução”? Contrariando o facilismo, a comodidade e a inércia intelectual que até hoje marcou a avaliação deste tipo de prendas tumulares depositadas nos monumentos funerários megalíticos, Katina Lillios optou por introduzir uma rigorosa metodologia científica para decifrar os códigos gráficos inscritos nas placas de xisto.

KL
A antropólga Dra. Katina Lilios

Para Katina Lillios foi decisivo desviar-se de modelos especulativos. Pois até ao seu trabalho, “falando de maneira geral, a maioria dos arqueólogos ibéricos optou por interpretar as placas de xisto gravadas como sendo ídolos do culto de uma suposta Deusa Mãe”.

Esta especulação, que peca por cabal falta de substanciação empírica, impossibilitou até ao ano 2000 a análise científica das placas de xisto. Um facto mais que lamentável, pois a riqueza de conhecimentos que adquiriu a cientista americana já estava disponível em Portugal há mais de um século...

Continuação: Parte 2

Links

A análise sistemática dos códigos gráficos, realizada a mais de 1.100 pedras de xisto recolhidas em túmulos megalíticos do Sul ibérico, está publicada online: ESPRIT

Na Pré-história ou já na História?

Na classificação tradicional académica, é comum atribuir à Pré-História os eventos que não foram registados de forma escrita – escrita com hieróglifos, pictogramas ou alfabetos fonéticos.

A Pré-História terá a haver também com toda uma série de “eventos colectivos”, normalmente não atribuíveis a indivíduos identificáveis.

Nesta ordem de ideias, a História ocupa-se dos eventos registados em suportes de qualquer tipo (pedra, pergaminho, etc.) e muitas vezes atribuíveis a personalidades identificadas – a Afonso Henriques, para dar um exemplo.

As placas de identificação gravadas que Katina Lillios identificou como sistema de comunicação social, levam obviamente à superposição das duas categorias; a linha divisória que separou a Pré-História da História torna-se difusa.

Se bem que as placas de xisto não sejam registos escritos com glifos, são registos codificados em material perene. (Hoje teríamos usado código de barra, pois claro!)

Estes registos fixam relações familiares e sociais. São documentos sem carácteres ou hieroglifos, mas não menos explícitos.

Os indivíduos assim registados ficaram “arquivados” num registo global, mas descentralizado por centenas de tumúlos megalíticos que foram erguidos no território hoje português e espanhol.

Vejamos bem: o fenómeno em causa não tem nada a ver com a descontração bem-humorada de um arqueólogo que queira dar um nome próprio – “Justina”, por exemplo – a um esqueleto pré-histórico que esteja a estudar.

Aqui na análise das placas, a aproximação aos sujeitos investigados é muito mais real e próxima – estamos perto de definidos indivíduos, membros dos clãs megalíticos e começamos agora a conhecer as suas filiações...

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