T I P O G R A F O S . N E T     by FreeFind

1. Egípcios: os primeiros tipos

Nos primeiros decénios do século XIX, as máquinas impressoras substituem o arcaico prelo de Gutenberg. Os desenhadores que criem novos tipos! As letras já não podem estar limitadas aos tamanhos dos livros e jornais, porque há que imprimir anúncios, cartazes, publicidade. Surge a serifa-grossa.

Antique Caslon
 

A partir de 1800 assistimos a uma explosão de tipos novos – uns mais altos e magros, outros profusamente decorados com sombreados ou arabescos, com motivos antropomórficos ou vegetais. As serifas são modificadas: ou engrossam, ou desaparecem. Aparecem caracteres finos e finíssimos, assim como negros e supernegros – e também os violentamente condensados e os excessivamente expandidos e gordos. A criação de novos tipos atinge uma variedade espantosa – possivelmente ainda maior que a do presente.

Se bem que nem tudo o que aparece seja convincente, e muito menos brilhante, assistimos à criação de dois grandes géneros, componentes essenciais da tipografia contemporânea: as letras de serifa grossa e as grotescas (sem serifas).

No século XIX já não são exclusivamente os tipógrafos os profissionais que «fazem letras»; agora temos uma legião de artistas gráficos a criar letras novas – mais grossas, mais imponentes, mais largas, mais contrastadas, mais...

Se bem que tenham aparecido multitudes de caracteres imaginativos e originais, por outro lado vemos certa degeneração num sector já não exclusivamente afectado pela ortodoxia do gravador de punções, que desde o século xv vinha definindo a estética tipográfica.

Mas os novos desenhos de letras já não estão condicionados pelo rigor técnico da gravura de punções; imprime-se por litografia, por exemplo, uma técnica que permite lançar as letras de modo livre e artístico, usando pincéis. Quando há que alcançar os enormes tamanhos necessários para os cartazes publicitários que são afixados por toda a parte, os tipos móveis são feitos em madeira; fabricam-se woodtype characters.

As novas letras de Robert Thorne

A Fann Street Foundry foi fundada por Robert Thorne em 1794, especializando-se em display types. Mais tarde, a fundição foi comprada por William Thorowgood, em 1820, por Robert Besley em 1849. O nome mudou para Reed & Fox em 1866. Quando encerrou em 1906, os typeface designs passaram para Stephenson Blake.

A evolução mais notável no desenho de letras deu-se no país que mais comercialmente se tinha vindo a dedicar à impressão: a Inglaterra. Entre 1804 e 1805, o tipógrafo britânico Robert Thorne (1754-1820) fundiu as primeiras fontes que quis anunciar como Egyptians – tipos novos, uns mais bem estreitos, outros generosamente expandidos, mas todos com fortes e robustas serifas.

No apêndice editado em 1817 para o mostruário de espécimens de 1815 da fundição londrina de Vincent Figgins, um contemporâneo de Robert Thorne, também surge uma destas «egípcias», porém com a estranha designação de Antique.

William Caslon IV

William Caslon IV, membro da notável dinastia de tipógrafos britânicos, introduziu outra novidade, desenhando e fundindo um dos primeiros caracteres sem serifas – antecedendo uma evolução que iria culminar na «nova tipografia» do século xx.

No mostruário de espécimens de William Caslon IV aparece, pela primeira vez em 1816, uma letra sem serifas – esta também com a designação de Egyptian. Instaura-se de imediato uma tremenda confusão na nomenclatura.

Em 1820, William Thorowgood, sucessor de Robert Thorne e da sua Fann Street Foundry, também publicita caracteres à nova moda – com serifas grossas e de novo designados «Egyptians». Mais tarde, em 1847, Figgins lança outra bizarria: a «Half Skeleton Egyptian».

A origem das «egípcias»

De onde vieram estes caracteres? Segundo Jock Kinneir e o historiador James Mosely, as tabuletas comerciais pintadas à mão teriam estado na origem das letras de serifa-grossa (as egípcias) e das letras sem-serifas (as grotescas).

A rotulação «letras egípcias» pode ter sido derivada das campanhas militares de Napoleão Bonaparte no Egipto, mas a origem da letra com serifas grossas terá tido causas bem pragmáticas – e uma origem doméstica, e não colonial.

Terá surgido da mão dos pintores de tabuletas e adquiriu notório êxito na Inglaterra, país onde eram muito usadas tabuletas para pubs (tabernas) e inns (albergues).

Os pintores de tabuletas – importante classe profissional do século XIX – começaram a rectificar as elegantíssimas, mas demasiado frágeis letras neoclassicistas ( Bodoni, Didot, Walbaum), que para uma tabuleta não ofereciam boa visibilidade, e muito menos facilidade de execução.

Estas dificuldades levaram os pintores de tabuletas a alargar os traços das letras e a alterar as patilhas – quer eliminando- as radicalmente (sem serifas), quer dando- -lhes um traço massivo e rectangular ( egípcias).

O essencial era que as novas letras oferecessem excelente visibilidade e que pudessem ser facilmente escaladas a grandes dimensões, a tamanhos totalmente desconhecidos (porque desnecessários) na impressão de livros.

O novo tipo de letra é, mais que tudo, uma letra comercial.

Desde Gutenberg até 1800, o desenho de letras orientou-se pela cultura e pela ciência. A partir do séc. XIX, o comércio e a publicidade penetram violentamente no universo tipográfico. As «serifas- grossas» são letras cem por cento vocacionadas para a publicidade. A sua missão é impactar, chamar a atenção do consumidor – se necessário, em altos brados!

e

Merryman & Co. Merryman's Raw Bone Super-Phosphate. Cartaz publicitário, cerca de 1870, com profuso uso de letras egípcias

The “Revival” of Slab-Serif Typefaces in the Twentieth Century, PDF http://www.typeculture.com

baixo

Topo páginaTopo página

Quer usar este texto em qualquer trabalho jornalístico, universitário ou científico? Escreva um email a Paulo Heitlinger.
copyright by algarvivo.com