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As letras dos Romanos: Cursiva

1ª parte: Capitalis Monumentalis

Cursiva, a primeira minúscula

A raiz das letras minúsculas de hoje encontra-se nas letras romanas usadas para documentos vulgares. Para acelerar a escrita destes documentos, os Romanos alongaram e comprimiram as formas da Quadrata.

Para contrariar a perda de legibilidade resultante desta compressão, introduziram-se prolongamentos em várias letras. Apareceram hastes descendentes e ascendentes para marcar mais pronunciadamente as formas características das letras. Nasceu assim a cursiva, um género de letra apressada, que se escrevia em todo o tipo de suportes – até em barro fresco!

Os glifos da cursiva aparecem inclinados pelo ducto manual, pela coreografia dos dedos a escrever rapidamente. Nos textos compactos escritos em cursiva, as serifas desaparecem; os traços descendentes e ascendentes passam a caracterizar este e todos os futuros alfabetos de letras minúsculas.

Herculanum
As nossas letras minúsculas foram derivadas das maiúsculas romanas, por condensação e aposição de ascendentes ou descendentes.
Capitalis rustica
813-835. Escrito em Reims. Fragmento de um psaltério, escrito sobre pergamento.

Fixemos este facto importante: as nossas letras minúsculas foram derivadas das maiúsculas romanas, por condensação e aposição de ascendentes ou descendentes. Uma versão tipográfica desta caligrafia rápida é a fonte Herculanum, de Adrian Frutiger.

Herculanum
A fonte Herculanum vive d0 contraste entre letras mais esguias e outras bastante largas – e tem uma rítmica expressiva, que estimula usos criativos. A Herculanum recebeu o nome da cidade gémea de Pompeia e foi baseada numa caligrafia cursiva do ano 70 n.E., escrita sobre numa placa de cera.
Pergaminho, pedra e metal

Se bem que na maior parte dos casos associemos a letra romana às belas epígrafes gravadas em pedras nobres, os romanos também usaram o metal como suporte de textos importantes – por exemplo, para fixar a sua política e a sua jurisprudência. Conhecemos placas de cobre de grandes dimensões, com textos de leis aplicáveis a determinado município ou província.

O Museu Arqueológico de Sevilha conserva talvez os melhores exemplos ibéricos de grandes placas de metal gravadas com textos de legislação romana. Conhecemos também letras «sólidas», fundidas em metal (cobre e cobre dourado), letras que eram fixadas com pequenos suportes sobre os muros exteriores de monumentos e obras importantes – pontes, por exemplo (esta prática continua visível em alguns prédios modernos da nossa função pública – tribunais, por exemplo).

Instrumentos feitos de metal, como, por exemplo, medidas de peso, também podiam ser gravados (ou cunhados) com letras. O exemplo mais fascinante talvez seja o punção reproduzido ao lado; servia para gravar um selo circular nas tampas de gesso que vedavam a boca de ânforas. Ânforas que foram fabricadas em milhões de unidades (!) para transportar azeite e vinho das províncias até Roma.

Este punção é uma precoce realização dos tipos de metal; era usado para cunhar com o seu selo um supor-te, neste caso o gesso fresco. Também é notável o desenho do logótipo do comerciante p. mussidi sempronian. Este nome foi aplicado duas vezes em diagonal, formando um M em ponto grande. O facto de terem aparecido nos subúrbios de Roma (Monte Testaccio) ânforas cunhadas com este selo, permite a datação para o século ii n.E. A espinha de peixe (?) poderá ser uma alusão ao conteúdo das ânforas: o apreciado garum, uma pasta usada para temperar comidas, elaborada com sal, peixe, azeite e ervas aromáticas.

A letra redonda: Uncialis
A construção das letras romanas

Para os calígrafos da Renascença, a inscrição na base da imponente coluna de Trajano foi inspiração contínua; as suas letras eram consideradas o mais requintado e elegante padrão das letras latinas, o non plus ultra de clareza e esplendor estético.

Os humanistas supunham um sistema de construção racional por detrás da beleza destas letras. Mas no Império Romano não existiam nem padrões absolutos, nem cânones obrigatórios para o desenho de inscrições – ou seja, para a forma das letras (vejamse os diferentes P), as suas proporções, a grossura do traço, a inclinação do eixo do O e Q, o desenho das serifas, ou a profundidade do corte na pedra...

A estética da letra romana terá tido rigorosos modelos geométricos?

Seria baseada nas proporções dos números ditos «ideais»?

Os estudiosos da Renascença que tentaram desvendar o segredo das supostas proporções ideais das letras romanas viram frustadas as suas análises geométrico-matemáticas.

Pois a letra romana segue sim a ortodoxia dum padrão praticado em todo o Império, mas também mostra expressão individual, variando segundo o ordinator encarregado de desenhar as letras sobre a lápide, para depois serem gravadas a escopro.

As letras eram desenhadas com um pincel mais ou menos largo, segurado diagonalmente. Este método de prétraçar as formas antes de aplicar o cinzel explica as variações de grossura de traço das letras latinas, a partir da era imperial – como no «A» mostrado ao lado. Se também explica a razão de ser, as formas e os alinhamentos das serifas, tem sido tema muito discutido, mas os especialistas não chegaram a conclusões definitivas.

Note que as letras das inscrições lapidares apresentavam um belo efeito tridimensional, obtido pela gravura na pedra, que tinha necessariamente alguma profundidade. Assim, o aspecto das letras gravadas variava consoante o ângulo de incidência da luz do dia.

Porém, quando se transportavam as letras para o gesso liso de uma parede ou para um pergaminho (e mais tarde para o papel), perdia-se este maravilhoso efeito...

Layouts

Dos romanos recebemos não só o legado do abecedário latino, mas também soluções convincentes para problemas que hoje afectam o trabalho quotidiano do designer gráfico. Vamos ver como solucionavam problemas da edição e da composição espacial de textos e imagens – do layout, como dizemos hoje.

O uso de abreviaturas, que começou com os romanos, tornou-se mais tarde uma característica da escrita medieval. Em Roma já estavam em uso técnicas aperfeiçoadas de anotação por abreviaturas; a sua finalidade foi (e continua a ser) a economia de tempo e de espaço.

A imprensa com tipos móveis, que surge a meio do século xv, continuou a usar abreviaturas, tendência especialmente forte durante a proto-tipografia. Hoje continuamos a usar a escrita abreviada – por exemplo, siglas como «IBM», para abreviar «International Bureau Machines».

Outro problema que os artistas romanos resolveram eficientemente foi a resolução da pixelização.

Quando se tratava de formar letras ou imagens, não por pintura ou por incisão, os romanos optavam pelo mosaico. Esta solução era usada de preferência para pisos e murais.

O tamanho das pedrinhas de cor seleccionadas para formar um mosaico representava um equilíbrio entre os custos de produção, o espaço a preencher com o motivo e a resolução necessária para permitir uma leitura satisfatória do texto e uma visualização aceitável das imagens.

Visto que a pixelização não era executada mecanicamente – como faz qualquer software de tratamento de imagem, por exemplo o Adobe Photoshop –, a resolução dos pixels era ajustada ao pormenor desejado: as imagens que exigiam detalhes e variações subtis de cores levavam muitas pedras pequenas; os espaços livres e as grandes áreas em branco ou preto obtinhamse com pedras bastante maiores.

Há que salientar a excelente qualidade dos layouts dos melhores mosaicos romanos; a composição de imagens com os comentários em texto denota virtudes estéticas e uma segurança na composição que nem todos os designers contemporâneos se podem gabar de conseguir...

O Império Romano digitalizado

Existem várias fontes digitais que recriam a estética dos alfabetos usados no Império Romano. A fonte Hadriano é um alfabeto de versaletes da autoria do norte-americano Frederic W. Goudy, que imita uma Quadrata já tardia, realizada com pouca ortodoxia e menos formalidade.

Numerosas outras fontes modernas foram inspiradas nas formas da capitalis monumentalis romana; um dos mais belos exemplos contemporâneos é a Requiem, uma fonte de Jonathan Hoefler.

A fonte Ondine exibe um ducto, que, apesar de traçado com uma caneta caligráfica moderna, mostra características «manuais» das letras romanas. A Ondine, desenhada por Adrian Frutiger para a fundição Deberny & Peignot em 1954, não é fiel ao modelo histórico, mas traduz particularidades caligráficas visíveis em muitas letras romanas escritas com o stilus ou pintadas à mão com um pincel.

Por exemplo, os traços de grossura variável do A e do M, assim como o pronunciado ducto caligráfico de algumas outras letras. Outras fontes digitais contemporâneas que tentam recriar a escrita romana omitem esses pormenores!

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