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Os primeiros alfabetos em território português

É para o século vi a.n.E. que se data o uso dos primeiros sistemas de escrita com base fonética na Península Ibérica.

Escrita do Sudoeste
A Estela da Abóbada, achada no sítio arqueológico de Gomes Aires, em Almodôvar, é uma das poucas com figuração. No centro, emoldurado pelas bandas com glifos, vemos um guerreiro armado, em pose agressiva. Muitas das estelas com Escrita do Sudoeste provêm do Baixo Alentejo e puderam ser datadas – aproximadamente –, a partir das necrópoles conhecidas.
Estas necrópoles tinham inicialmente túmulos circulares e depois elaborados em forma rectangular. As datas destes monumentos funerários oscilam entre os séculos VII e V a.n.E. Esta estela esteve exposta longos anos no Museu de Beja e transitou para Almodôvar. Documenta o primeiro sistema alfabético usado em Portugal.

Este facto é de importância, pois em muitas outras etapas de evolução Pré-História –> História, o uso da escrita acompanha o desenvolvimento do urbanismo, da economia mercantil e da plena evolução das classes dirigentes e elitistas.

Contudo, em território ibérico, estes processos foram iniciados já muito antes, no Calcolítico (3.000 – 2.000 a.n.E.), mas não foram acompanhadas pelo aparecimento de um sistema de escrita. Esta teve que ser importada, muito mais tarde, do Mediterrâneo.

A chamada Escrita do Sudoeste ou Tartéssica ou Sudlusitana, da I. Idade do Ferro no Sul de Espanha e Portugal, foi desenvolvida pelos Tartessos, nome pelo qual os Gregos conheciam a civilização que se desenvolveu nas zonas das actuais regiões da Andaluzia, da Extremadura espanhola, do Baixo Alentejo e do Algarve.

Não é consensual a designação da primeira escrita na Peninsula ibérica. Para muitos historiadores é a Escrita do Sudoeste (SO) ou sud-lusitana. Os linguístas utilizam as designações de escrita tartéssica ou turdetana.

Estela com Escrita do Sudoeste
Estela funerária, com escrita ibérica do Sudoeste.

As inscrições conhecidas foram maioritariamente achadas nas áreas mais acidentadas entre o Alentejo e Algarve (em especial a Serra do Caldeirão), no território das nascentes dos cursos de água desta região (Sado, Mira, Arade) e dos três subsidiários do Guadiana (ribeiras de Oeiras, Vascão e Foupana).

Contudo, devemos salientar que desde as prospecções arqueológicas do casal de arqueólogos alemães Georg e Vera Leiser, nunca mais se fez uma prospecção e inventarização arqueológica sistemática em Portugal.

Os glifos são semelhantes aos do alfabeto fenício

Os glifos do alfabeto da Escrita do Sudoeste são claramente derivados de escritas fenícias. O alfabeto tinha basicamente 27 signos, o número que se regista num monumento aparecido em Espanca (Castro Verde, Beja); esta inscrição mostra um abecedário gravado por alguém que possuía destreza e outro imitado, por baixo, por um aprendiz.

Estela de Neves II (segundo Maia e Maia, 1986, p. 30).
Estela de Neves II (segundo Maia e Maia, 1986, p. 30).

Nos conjunto de glifos de Espanca, os primeiros catorze tem formas e valores fonéticos idênticos. Os cinco glifos que se seguem, embora apresentem um traçado semelhante, podem corresponder a fonemas diferenciados. Os últimos oito consideram-se relativamente independentes, adoptados para suprir a falta de glifos que completassem o sistema.

Sem contar com as variantes de algumas letras, conhecemos hoje cerca de 40 glifos diferentes. O que é que nos transmitem? A escrita, analisada por arqueólogos diletantes, foi considerada «complexa» e «indecifrável», mas o facto é que tem sido decifrada, pouco a pouco; a sua leitura é hoje parcialmente possível.

Conhecemos mais de 90 textos, muitos que são fragmentos, quase todos gravados em placas do xisto que abunda na área da sua difusão.

Podemos «ler» uma boa parte das sequências gravadas nas inscrições, mas é problemático o conteúdo. O que significam?

Pouco sabemos sobre a(s) língua (s) em que estão escritas. Sendo a linguagem desconhecida, as dificuldades de interpretação dos textos são grandes, agravadas por ser díficil isolar palavras, pois quase sempre faltam separadores.

Contudo, já temos um primeiro repertório de sequências de glifos, que podem corresponder a «palavras». Já se pode sugerir correspondências com nomes conhecidos de origem indo-europeia. Um conjunto de inscrições funerárias apresenta no final uma sequência de glifos, com ligeiras variantes. Será uma fórmula do tipo «aqui jaz»?

Estela de Santa Perpetua de la Moguda
Estela de Santa Perpetua de la Moguda

A comparação com línguas conhecidas fundamenta esta hipótese, e é uma base para a inclusão dos textos do idioma representado nas línguas indo-europeias. Pelo âmbito geográfico, admitiu-se a ligação com vestígios toponímicos da região.

Neste contexto se integram, por exemplo, os nomes de lugar terminados em -ipo (a que pertence a cidade andaluza de Ventipo, mas também Olisipo, Lisboa) e em -oba l-uba (onde se inclui o nome de Faro, Ossonoba, bem como o de Corduba).

A Escrita do Sudoeste tem uma estrutura semi-silábica. À semelhança das outras escritas paleohispânicas, apresenta glifos com valor silábico para as oclusivas, e glifos com valor alfabético para o resto das consoantes e vocais.

Do ponto de vista da classificação dos sistemas de escrita, não é nem um alfabeto, nem um silabário, mas sim uma escritura mista, um semi-silabário. A característica distintiva desta escrita é a sistemática redundância vocálica dos signos silábicos, fenómeno que nas outras escritas paleohispânicas é apenas residual.

Este aspecto, descoberto por Ulrich Schmoll, permite classificar a maior parte dos glifos desta escrita em silábicos, vocálicos e consonânticos.

Jesús Rodríguez Ramos, num artigo derivado da sua tese de doutoramento, explica o carácter da Escrita do Sudoeste: «De las escrituras paleohispánicas de las cuales tenemos un mínimo de datos para poder trabajar con ellas, sólo nos podemos plantear la sudlusitana como la más próxima al modelo fenicio. La forma de sus signos es la más similar al fenicio (más apartada está la íbera meridional y mucho más la levantina) y es la más antigua documentada (al menos desde los siglos vi–v a.C.).»

«El funcionamiento de la escritura sudlusitana no se conoce a la perfección, pero hay algunos aspectos claros. Se trata de un alfabeto redundante, no algún signario prefenicio. Un semisilabario, en el que de forma paralela al íbero se dispone de cinco signos para cada uno de los tres órdenes de consonantes oclusivas (verosímilmente velar, dental y labial); correspondiéndose en principio cada uno al uso exclusivo ante un signo vocálico específico. La apariencia formal de la escritura es como si a cada silabograma del íbero se le añadiera sistemáticamente el signo de la vocal ya incluida en dicho silabograma (ba + a, be + e, etc.) pero, desde un punto de vista estructural y funcional, corresponde a un alfabeto.»

«Con todo, las inscripciones que han llegado hasta nosotros no siempre se atienen ortodoxamente a la regla general, sino que se aprecian lo que parecen ser simplificacionesy evoluciones diversas en un grupo minoritario; además de unas pocas inscripciones que utilizan formas de signos atípicas y que deben corresponder a tradiciones epicóricas, por lo que son de difícil clasificación y complican sobremanera el establecimiento de regularidades a la hora de analizar el material.» Fim da citação.

O Museu em Almodôvar

Este museu tem no seu pequeno acervo importantes registos da mais antiga escrita da Península Ibérica. Mas é um museu pobre, que não explica quase nada sobre as comunidades que usaram a Escrita do Sudoeste. Também pouco explica sobre a motivação e o propósito das estelas funerárias.

O facto que a sessão solene de inauguração foi presidida pela ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, só pode ser considerado macabramente irónico, se atendermos ao triste estado de abandono em que continua o Património pré-histórico em solo português.

O Museu abriu no âmbito das Jornadas Europeias do Patromónio, 2007; entretanto abriu ao público em geral. Está aberto das terças aos sábados, instalado no antigo Cine-Teatro municipal, no centro de Almodôvar.

Expõe alguns dos mais importantes achados arqueológicos epigrafados com glifos da Escrita do Sudoeste. Amílcar Guerra, arqueólogo pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é o coordenador do projecto.

Segundo A. Guerra, a instalação do Museu de Almodôvar justificar-se-ia pelo facto que este concelho é uma das áreas da Península Ibérica com uma das mais importantes concentrações de registos.

Mas não devemos esquecer que existem estelas importantes no Museu de Beja, no Museu de Badajoz e até em museus mais pequenos, como em Loulé e Olhão.

As estelas mais importantes foram agora transferidas para Almodôvar. Por que razão? O Museu da Escrita do Sudoeste inicia-se com 20 peças, entre elas um espólio permanente de 16 estelas descobertas no núcleo arqueológico de Almodôvar.

Este conjunto «deverá ser variado com a exposição de outras estelas descobertas fora do núcleo de Almodôvar, que são também muito interessantes e diversificadas», assim Amílcar Guerra.

As estelas do concelho de Almodôvar fazem parte das 75 estelas descobertas em território português e de um total de 90 conhecidas na Península Ibérica.

A Estela de São Martinho, achada em São Marcos da Serra, no concelho algarvio de Silves é notável pelas suas dimensões, e pela extensão do seu texto, com cerca de 60 glifos identificados, uma das inscrições mais extensas da Escrita do Sudoeste.

Bibliografia

Bibliografia sobre a Escrita do Sudoeste ibérico

 
   
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