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Shaker Design // Amish Design

Fundamentalistas protestantes, pioneiros do design contemporâneo.

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No Design, um dos factos mais bem guardados (ou ignorados) é a importante contribuição das comunidades protestantes fundamentalistas para o design de interiores e móveis. A atitude pragmática, auto-suficiente e de contenção emocional deu, já no século xviii, as bases para o Funcionalismo do século xx.

Entre diversos grupos fundamentalistas, destacam-se os Amish, os Shaker e os Menonistas.

Os Amish são um grupo de comunidades cristãs anabaptistas (baptismo de adultos por imersão, Täuferbewegung) que vivem nos Estados Unidos e no Canadá. São conhecidos pelas suas atitudes conservadores, fundamentadas numa leitura restrita das Escrituras.

Embora o intento deste texto seja chamar a atenção para as contribuições destas comunidades para o que hoje chamamos globalmente «design», para melhor perceber essa contribuição, carece explicar um pouco como estas comunidades agrárias funcionam, baseadas no princípio da auto-suficiência e do auto-abastecimento.

Assim como os Menonistas, os Amish são descendentes de comunidades suíças anabaptistas que tiveram as suas origens nos ensinamentos de Felix Manz (1498—1527) e Conrad Grebel (1498—1526).

O movimento Amish começou com Jacob Amman (1656-1730), um líder suíço dos Menonistas.

Os primeiros grupos Amish começaram a emigrar para os EUA no século xviii, fugindo às perseguições e ao serviço militar compulsório: os Amish são pacifistas consequentes, negando-se a cumprir qualquer serviço militar. Em retaliação a esta atitude profundamente «anti-americana» (mas supostamente cristã), os Amish tem sido injustamente acusados de ser primitivos, brutos, abusadores de crianças, pedófilos, etc.

Logo de início, os Amish viveram afastados do resto da sociedade americana, recusando-se a entrar no big melting pot. Ainda hoje não conduzem automóveis (sacrilégio!) não pagam Segurança Social, não aceitam qualquer forma de assistência do Governo, e muitos evitam mesmo de fazer um seguro de vida.

A maioria das irmandades fala um antigo dialecto alemão/suíço conhecido como Pennsylvania Dutch ou Pennsylvania German. A ideologia anabaptista está baseada na vida comunitária e na religião.

Os Amish são muitas vezes confundidos com comunidades igualmente reservadas, mas de tradições e raizes diferentes. Por vezes até com os Mórmones, com os quais têm poucas ou nenhumas semelhanças. Uma esquema típico da animosidade com que os Amish são «retratados» é uma artigo do site swissinfo.ch, intitulado «Amish: os suíços que pararam no tempo .... Até hoje os Amish de Adams County utilizam carruagens (carroças) para o transporte ... Eles vivem uma vida despojada de conforto e modernidade: os Amish, ... que vivem em Adams County, Indiana, EUA.»

Contudo, a verdade é que os Amish – e outras comunidades fundamentalistas, como os Shakers – vivem com um modesto, mas notável conforto, pois inventaram o Design moderno. Numa casa Amish, a decoração interior é clara e sóbria, os móveis são funcionais e feitos para durarem gerações. Os móveis – mesas, cadeiras, armários, arcas, caixas – são hoje feitos de madeira clara; sendo os Amish famosos pela qualidade da sua marcenaria, a beleza das formas e a durabilidade dos móveis. As fotografias deste artigo mostram que os móveis antigos – os cobiçados vintage – eram feito de madeiras de cor escura.

De igual qualidade funcional são as ferramentas e apetrechos usados nas lides caseiras ou no trabalho do campo. A funcionalidade, as linhas claras e simples dos artefactos, despojados de qualquer ornamento, estão baseados na negação do sensual, na contenção emocional, na rejeição do adorno, das jóias, da moda, do embelezamento «artificial» e da vaidade pessoal (que os Amish chamam Hochmut).

É uma das atitudes fundamentais do Calvinismo suíço, que mais tarde, no século xx, se irá novamente manifestar na Escola Suíça, na Helvetica, na obra tipográfica de Adrian Frutiger e no desumano urbanismo de Le Corbusier. A vida em sociedade é essencial para os Amish e a sua coesão interna. Em trabalho colectivo, eles erguem as casas das famílias recém-constituídas. (Vá lá falar deste sistema a um dos empreiteiros-especuladores que estão a acabar com o Urbanismo em Portugal...).

Os Amish, muito discretos, consideram perturbador toda a curiosidade à volta do seu estilo de vida. Numa análise crítica e livre de sentimentalismos, constatemos que os Amish são tão repressivos para com os seus membros como qualquer outro grupo cristão; mas uma verdade seja dita: nunca praticaram a agressão contra outros grupos cristãos.

Os móveis Shaker: paradigmas do Modernismo

O exemplo mais estudado das influências pioneiras no design moderno quanto a requisitos de simplicidade e funcionalidade, é o do movimento dos Shakers (estabelecido em 1774 nos EUA). Para os Shakers, a estética aliava-se à ética do conceito de que «o que é prático é belo».

A Comunidade dos Shaker data do fim do século xviii – um grupo cristão, fundado nos EUA por Ann Lee, imigrante vinda da Inglaterra. Originaram deste movimento cerca de 20 comunidades Shaker, na Nova Inglaterra, no Kentucky, Ohio e Indiana. Implantado o celibato como regra de vida geral, o crescimento verificou-se por adopção de novos membros, vindos do mundo exterior.

T0da a propriedade era colectiva. Supostamente, hoje restam apenas 6 (seis) Shakers praticantes. Com base numa economia auto-suficiente, todos os móveis, ferramentas e meios de produção eram fabricados artesanalmente (mais tarde, em regime semi-industrial) na comunidade, para seu próprio uso ou para venda externa; deviam de ser realizados conscientemente, o melhor possível, simples e sem elementos supérfluos, como, por exemplo, decorações.

Todos os objectos deviam corresponder ao seu entorno e à sua finalidade. As actividades e características destas comunidades definem-se pelas palavras-chave: colectivismo cristão, autarquia, economicamente independentes até 1932; vendas de sementes, preparados hortícolas, móveis e objectos para o exterior.

Ao contrário dos Amish, verificou-se uma aceitação das inovações tecnológicas julgadas úteis. Conceitos de referência: perfeição, pureza, ordem, simplicidade, durabilidade, funcionalidade, utilidade. Na produção de excelentes móveis de madeira, perfeitamente adequados às suas funções, detectamos as bases do Funcionalismo. E as origens do eco­design, o design ecológico, obviamente.

O uso das cores era codificado: camas, cinzento; travesseiros, cores discretas, semi-estampados ou letras; cobertores e edredons, azul e branco. Sacralizando o use value, a utilidade, o objecto materializado deve ser perfeito: «a utilidade é a beleza», «a simplicidade encarna a pureza e a unidade», «a ordem deve reinar e as formas inúteis devem ser banidas».

De modo geral, os produtos Shaker caracterizam-se pela sua simplicidade, rigor e pela qualidade na escolha das matérias-primas e na produção. O resultado: perfeição, aliada a uma estética minimalista incontestável. Os Shaker são especialmente conhecidos pelo seu estilo de marcenaria e carpintaria, entre os apreciadores do vintage design – o estilo conhecido como Shaker furniture.

Cadeiras de tipo Shaker foram produzidas em grandes séries, já que os serviços religiosos das comunidades eram feitos na presença de todos os membros, sentados. Por volta do tempo da Guerra Civil Americana, os Shakers da comunidade de Mount Lebanon, Estado de Nova Iorque, aumentaram significativamente a sua produção de cadeiras e a venda para o exterior.

Foram tão bem sucedidos, que várias grandes empresas de móveis passaram também a fabricar e vender as suas versões de «Shaker Chairs». Devido à óptima qualidade artesanal das cadeiras originais, uma peça de mobiliário Shaker atinge altíssimos preços. Recentemente, uma Shaker Chair de costas altas foi vendida em leilão pelo preço de quase 100.000 US $.

Bibliografia

Bowe, Stephen and Peter Richmond.Selling Shaker: the commodification of Shaker design in the twentieth century. Liverpool, Liverpool University Press, 2007.

Timothy D. Rieman, Jean M. Burks. New York, H.N. Abrams, 1993. Shea, John Gerald. The American Shakers and their furniture, with measured drawings of museum classics [by] John G. Shea. New York, Van Nostrand Reinhold Co. , 1971.

Grant, Jerry V. Shaker furniture makers / Jerry V. Grant and Douglas R. Allen. Hanover, NH : Published for Hancock Shaker Village, Pittsfield, Mass. by University Press of New England, c. 1989.

Rieman, Timothy D., Jean M. Burks. The Complete Book of Shaker Furniture. New York: Harry N. Abrams, Inc., Publishers, 1993. Hardcover, 400 p.

Kirk, John T. The Shaker World: Art, Life, Belief. New York: Harry N. Abrams, Inc., Publishers, 1997. Hardcover, 286 p.

Links

Shaker Crafts from the Index of American Design http://www.nga.gov/collection/gallery/iadshake/iadshake-main2.html

http://tang.skidmore.edu/index.php/posts/view/37/

http://www.shakerworkshops.com

http://www.flickr.com/photos/sminor/sets/72157600036785931/detail/

http://www.bbc.co.uk/homes/design/period_shaker.shtml

http://www.abbeville.com/pdf/0789203588.pdf

http://www.nps.gov/nr/travel/shaker/

http://amishphoto.com

A Shaker Approach to Web Site Design — http://www.bls.gov/ore/htm_papers/st970120.htm

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